Reforma do ciclo básico no ensino da engenharia
Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia
Jorge Luiz Bitencourt da Rocha e Manoel Gibson M. Diniz Navas, Divisão Técnica Especializada de Formação do Engenheiro – Clube de Engenharia
A engenharia é a mola mestra para o desenvolvimento de um país. Anos de estagnação da economia brasileira encobriram um sério problema que se configurava no ensino da engenharia: a grande evasão nos dois primeiros anos do curso de graduação. Pesquisas mostram que, de 100 alunos que se matriculam nas instituições de ensino superior para cursar engenharia, apenas 20 completam a graduação.
Com a retomada do crescimento no Brasil, os reflexos da escassez de engenheiros já se fazem sentir e impedem que o país avance.
O Clube de Engenharia vem se dedicando, nos últimos anos, a estudar e analisar essa evasão. As causas já foram identificadas: má formação dos alunos no ensino médio e no fundamental e desmotivação no ciclo básico das universidades, em que se cobra, por exemplo, um aprendizado de cálculo e física sem que o aluno tenha ideia sobre onde vai empregar esses conhecimentos.
Além disso, as transformações por que o mundo vem passando nas últimas décadas também mudaram completamente o conceito da formação de um engenheiro. Tomando como exemplo a engenharia elétrica, até o final do século XX exigia-se que os engenheiros fossem competentes para projetar e gerenciar sistemas de geração, transmissão e distribuição de energia.
Atualmente, a construção de uma barragem envolve inicialmente avaliações políticas, econômicas e ambientais; só depois se entra na discussão técnica. Essas quatro análises estão interligadas e não podem ser desassociadas.
A proposta desenvolvida pelo Clube de Engenharia tem como objetivo formar um engenheiro que atenda às exigências do mercado de trabalho. Com a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação, em 2002, da flexibilidade curricular nos cursos de graduação de engenharia, é possível promover uma mudança substancial na grade do ciclo básico, de modo a oferecer aos alunos referenciais teóricos e práticos.
Entendemos que todo curso de engenharia, independentemente da especialização, deve possuir em seu currículo um núcleo de conteúdos básicos, um núcleo de conteúdos profissionalizantes e um núcleo de conteúdos específicos que caracterizem sua mobilidade. Dessa forma, o ciclo básico seria constituído de 23 disciplinas com carga horária teórica, prática e de campo.
A Matemática, que é o sustentáculo do curso de engenharia, por ser fundamental para o acompanhamento de diversas disciplinas, deve compreender um conjunto de sete disciplinas: Cálculo Diferencial e Integral I, II e III, Cálculo Vetorial e Geometria Analítica, Álgebra Linear, Probabilidade e Estatística e Cálculo Numérico. Na área da Física, as disciplinas de Física Teórica e Experimental I, II e III também são essenciais para municiar os alunos do embasamento necessário à compreensão de diversos fenômenos que serão tratados em várias outras matérias durante o curso.
Essas disciplinas desenvolvem no aluno a capacidade de modelar um problema real utilizando um arcabouço matemático adequado a cada situação. Inerente a este processo estão o desenvolvimento de habilidade de raciocínio lógico, de avaliação de ordem de grandeza, de análise dimensional, de análise preditiva dos resultados e de análise crítica dos resultados obtidos, fundamentais para a formação do engenheiro.
Outra disciplina que precisa ser valorizada e incluída em todos os cursos de engenharia é a Língua Portuguesa. A compreensão e o domínio da linguagem têm um importante papel na formação do pensamento e ampliam a capacidade de reflexão e de crítica do aluno. Hoje, não basta saber expressar-se. Com o crescimento do uso do correio eletrônico, escrever bem é um diferencial no mercado de trabalho!
O ciclo básico precisa também ser capaz de oferecer ao aluno conceitos que fazem parte do mundo atual. Empreendedorismo é um deles, pois busca aliar atitudes de criatividade, inovação, interação e cooperação que permitam a integração e, ao mesmo tempo, a intervenção do graduado num mundo em permanente, rápida e radical transformação.
A Ciência do Ambiente, essencial nos dias de hoje, era ignorada completamente até os anos 70 do século passado. Oferecer aos alunos conhecimentos na área de programação também é indispensável para um engenheiro. As disciplinas Lógica de Programação e Linguagem de Programação Estruturada, que abordam o desenvolvimento de algoritmos, raciocínio lógico e criação de programas executáveis, são ferramentas que o engenheiro irá utilizar na resolução de programas de diversas áreas.
Paralelamente, para aumentar a atratividade dos alunos ao curso de engenharia, é importante que o ciclo básico contenha disciplinas específicas do setor. A proposta submetida ao Conselho Diretor do Clube de Engenharia é de que sejam incluídas 110 horas/aula para as disciplinas de Eletricidade Aplicada, com os conceitos elétricos básicos e de instalações elétricas e de Mecânica dos Sólidos e dos Fluidos, composta por Resistência dos Materiais e Fenômenos de Transporte, para possibilitar, por exemplo, a compreensão de problemas práticos de transferência de calor e massa.
E, ainda, Química Geral, para que entendam o funcionamento dos semicondutores, corrosão e estruturas da matéria, e também Expressão Gráfica, através das disciplinas de Desenho Técnico e Geometria Descritiva, que possibilitam ao engenheiro a “leitura” de plantas, não apenas de desenhos arquitetônicos, como também de plantas baixas contendo diagramas elétricos, hidráulicos etc.
Essas alterações no ciclo básico da graduação em engenharia têm como objetivo reduzir a evasão nos primeiros anos do curso e formar profissionais aptos a atender às necessidades do mercado de trabalho. Essa proposta será apresentada em setembro próximo, através de trabalho técnico, ao XL Cobenge – Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia, organizado anualmente pela Abenge – Associação Brasileira de Educação em Engenharia.
Artigo publicado no Jornal do Commercio
Terça-feira, 14 de agosto de 2012