Pré-sal: uma faca de dois gumes
Francis Bogossian
ENGENHEIRO
O Brasil tem tudo para comemorar a descoberta do petróleo do pré-sal.
Quando as reservas dos grandes produtores mundiais começavam a se esgotar, o
Brasil encontrava petróleo em alto mar e conseguia se tornar
autossuficiente. Agora um novo “milagre”, o petróleo na camada do pré-sal,
que multiplicará por sete vezes o atual volume de reservas do país.
O petróleo do pré-sal é uma dádiva divina. Esta riqueza precisa ser bem
explorada e avaliada. Embora se estime que as reservas são da ordem de 90
bilhões de barris, ainda não temos estudos suficientes para confirmar estes
números.
Mas, mas pelas previsões mais pessimistas, o volume de recursos que esta
riqueza vai gerar é extraordinário. O perigo, no entanto, é de que estas
receitas se escoem entre nossos dedos.
Os Estados Unidos montaram sua economia dependente do petróleo e hoje
aquele país importa 70% do petróleo que consome.
Nos países em desenvolvimento como México, Venezuela, Angola e Nigéria,
por exemplo, a receita do petróleo não produziu melhoria significativa na
qualidade de vida da população. O IDH destes países continua muito abaixo
dos padrões dos países desenvolvidos.
Estes são alguns exemplos que mostram que o Brasil precisa estudar e
planejar com muita atenção, não apenas o que fazer com o petróleo, mas como
fazer.
Temos que levar em conta que o petróleo é uma commodity diferente do
café. É a matéria prima para a produção de mais de 3.000 subprodutos.
Enquanto o petróleo estiver no subsolo, há garantia da nossa riqueza.
Transformado em dólares pode, rapidamente, se esvair sem trazer nenhum
benefício para os brasileiros.
Na velocidade que o governo quer aprovar novas regras e gerar receitas,
reside a certeza de que o país sairá perdendo.
Ainda não se sabe ao certo qual o tamanho destas reservas ou o custo da
extração no pré-sal e já se quer gastar por conta. Os projetos que o governo
encaminhou ao Congresso prevêem a mudança do marco regulatório, a criação de
uma nova estatal e de um fundo social. Os projetos foram elaborados pelo
governo sem que houvesse um amplo debate em todo o país, porque o único
objetivo é garantir que a União controle as futuras receitas com as
exportações do pré-sal.
Mas, exportar petróleo será o melhor caminho? Como isto irá impactar na
economia brasileira? Como será possível frear, também controlar a corrupção
no país que hoje já atinge níveis estratosféricos e que só tenderá a
aumentar com a “montanha” de recursos que entrarão no país? Quais as
consequências geotécnicas e ambientais com a exploração do petróleo do
pré-sal? Ampliar o parque de refino de petróleo no Brasil é melhor do que
exportar o petróleo bruto? Em que prazo o país estima que estas reservas se
esgotem?
Quais as saídas para o Brasil após o esgotamento total de nossas
reservas?
No século passado o Brasil usou o petróleo barato para trocar sua matriz
de transporte. As ferrovias praticamente desapareceram dando lugar ao
transporte rodoviário. O Brasil se move sobre carros, ônibus e caminhões,
que poluem e consomem combustível não renovável. Metrôs, trens e hidrovias
ainda estão longe de atender às necessidades do transporte de carga e de
passageiros.
Este é apenas um exemplo da nossa falta de planejamento de longo prazo.
Não podemos permitir que aconteça de novo.
O Brasil era o país do futuro. O futuro chegou e avançamos muito pouco,
se compararmos com países como a Coréia e China, no que diz respeito aos
níveis de escolaridade e de industrialização.
O país não pode desperdiçar a riqueza do pré-sal. Um fórum permanente de
discussão sobre o assunto precisa ser criado imediatamente. O Rio de Janeiro
deve liderar este debate porque, além de ser o centro dos estudos sobre
petróleo e gás, tanto na Petrobras como nas universidades, é o principal
interessado no tema, tendo em vista que 80% da produção atual de petróleo do
Brasil é extraída na costa fluminense.
Sem uma análise e planejamento adequados, movido apenas pela pressão
financeira, o petróleo do pré-sal será mais um ciclo de desenvolvimento não
sustentado como foram a borracha e o café, com o perigo de que a valorização
da nossa moeda ainda destrua a indústria brasileira.
Francis Bogossian é presidente do Clube de Engenharia e da AEERJ-Associação
das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro