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Jornal do CommercioOpiniãoA-1315/01/2010

O milagre Geo-Rio

Francis Bogossian,
Presidente do Clube de Engenharia e da Associação
das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro
(AEERJ)

Cortado pela Serra do Mar e pela Serra da Mantiqueira, o Estado do Rio de Janeiro caracteriza-se por uma topografia eminentemente montanhosa. As fortes chuvas que caem no verão se repetem sempre. Não são novidade ou fato novo, mas as enxurradas nos surpreendem a cada ano com novos acidentes, quase sempre com muitas vítimas.

Os taludes, que são as superfícies inclinadas dos morros e montanhas, sofrem com as chuvas, porque, simplificando as teorias da Mecânica dos Solos, a água diminui a resistência interna e, ao mesmo tempo, aumenta o peso do terreno, provocando os deslizamentos. Os desastres dessa natureza, no entanto, podem ser evitados, na maioria das vezes através de intervenções de baixo custo e rápida execução.

A construção de canaletas, para coletar e disciplinar os caminhos das águas, e a proteção dos solos superficiais com vegetação ou insumos químicos são exemplos de ações que não exigem grandes investimentos, mas raramente são executadas antes dos desmoronamentos. Muros de contenção em áreas de risco são obras mais caras, porém infinitamente mais baratas do que aquelas que precisam ser realizadas depois dos acidentes. Em qualquer caso, por mais alto que seja o preço de uma obra preventiva, seu custo é sempre inferior aos investimentos necessários após os deslizamentos, sem falar nas perdas materiais e humanas.

Um levantamento do Serviço Geológico do Brasil (SGB), do governo federal, indica que 81% dos municípios do Estado do Rio, ou seja, 75 dos 92, têm riscos geológicos, em menor ou maior intensidade. O que surpreende é que, mesmo assim, com exceção do município do Rio de Janeiro, parece não haver preocupação nem, portanto, a respectiva dotação orçamentária das prefeituras para mapear as áreas de risco. E, muito menos, para disciplinar as construções nas encostas, com exigências de estudos geotécnicos para licenciamento das construções.

Durante muitos anos, o termo “remoção de favelas” foi visto como politicamente incorreto. E, sem condições de oferecer uma opção melhor para as famílias de baixa renda, os prefeitos fecharam os olhos para as invasões de área públicas e privadas. Nos morros, a vegetação foi substituída por construções irregulares.

Foi preciso que acontecessem mais mortes, como em Angra dos Reis, para que se pudesse voltar a falar em remoção de famílias das áreas de risco. O programa Minha Casa, Minha Vida é a porta de saída para oferecer moradia digna para as populações de baixa renda.

As prefeituras precisam aproveitar esta oportunidade para mudar o quadro de degradação habitacional que tomou conta do estado. Em Angra dos Reis, mais de 100 mil pessoas construíram suas casas, legal ou ilegalmente, em encostas. No Rio, a população favelada já ultrapassou um milhão de habitantes.

O Brasil criou uma legislação de meio ambiente extremamente rigorosa, mas que só é exigida para construções regulares e privadas. O poder público não é multado ou acionado quando é omisso e permite construções irregulares em encostas e nas margens dos rios.

As prefeituras não são responsabilizadas também pelos desmoronamentos ou enchentes. A culpa é sempre da chuva. E os desastres se sucedem a cada ano com mais intensidade.

Chegou a hora de mudar. Assim como não se pode cortar uma árvore sem o consentimento de um órgão ambiental, não se poderia também construir em áreas de encostas sem a exigência de um estudo geotécnico. Urge a criação de um organismo estadual ou a exigência de departamentos geotécnicos nos municípios em regiões montanhosas.

A Fundação Geo-Rio, na Cidade do Rio de Janeiro, que tem reconhecimento internacional, é um exemplo que deve ser seguido. Embora não possa agir contra as ocupações irregulares, o órgão monitora, desde 1966, as encostas da cidade, identificando áreas de risco e contratando obras de drenagem e contenção. É só olhar para o Corcovado e outros morros da cidade para identificar estruturas de sustentação de maciços de solos e rochas que, se não tivessem sido escorados, poderiam causar desastres de grandes proporções.

No Rio de Janeiro, a Prefeitura exige estudos geotécnicos nos licenciamentos para construção em áreas de encostas ou próximas aos morros. Os projetos são avaliados pela Geo-Rio e só depois de aprovados liberados para execução. Isto vale para as obras públicas e privadas.

A Geo-Rio monitora também os níveis pluviométricos, através do sistema Alerta Rio, como medida de prevenção de acidentes. Trata-se de um sistema automatizado que indica quando uma região de risco é afetada por chuva excepcional, alertando com antecedência sobre a necessidade de evacuação.

Em uma cidade montanhosa como o Rio, com os morros cobertos de favelas, é o “milagre” Geo-Rio que vem conseguindo evitar desastres de maiores proporções. Esse “milagre” é uma equipe técnica experiente e altamente especializada.

Artigo publicado no Jornal do Commercio
– Opinião – Sexta-feira, 15/01/2010 – A-13