Fome de estradas
Francis Bogossian
Uma das múltiplas dificuldades que se apresentam na implantação do programa Fome Zero é a dos transportes. Como chegar com o abastecimento nos mais distantes rincões deste país? Guaribas, por exemplo, que marca o início do programa, fica 700 quilômetros ao sul de Teresina. Como chegar lá com mantimentos? E nos seguintes mil municípios do semi-árido nordestino e do Vale do Jequitinhonha, por onde as ações vão prosseguir?
O Brasil é um país pobre de estradas e o pouco que tem está se deteriorando. A comparação com outros países nos deixa humilhados. Os Estados Unidos, que são sempre o nosso exemplo imediato, têm 14 vezes mais estradas pavimentadas do que nós. A Índia, que tem um PIB e um estágio de desenvolvimento muito próximos dos nossos, tem 3,2 milhões de quilômetros de rodovias, dos quais 50% são pavimentados. Isto representa dez vezes mais do que o Brasil. Seria, talvez, mais fácil implantar um Fome Zero na Índia do que aqui.
Se compararmos com outros países, como a Rússia, a África do Sul, a Alemanha, o México e a Argentina, podemos cair em depressão.
O Brasil, de 1945 a 1988, desenvolveu uma rede rodoviária pavimentada, baseada na arrecadação do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes, que constituía o Fundo Rodoviário Nacional. Embora a extensão pavimentada nesses anos não tenha sido grande, foi possível unir todas as capitais do país.
A Constituição de 88 acabou com o Fundo. Os constituintes foram contra a vinculação de impostos, que significa a obrigação de se investir o montante arrecadado em uma área específica, rodovias, por exemplo. Ou seja, mexeram no time que estava ganhando.
Daí em diante, os investimentos em transportes passaram a ser determinados pelo Orçamento Geral da União. O Legislativo ficou com o poder de decidir as aplicações, mas o jogo de interesses dos parlamentares nem sempre conduz à melhor decisão para o país. E o Executivo manteve o poder de contingenciar, de liberar ou não, o que constava do Orçamento. Essa fórmula não deu certo.
É preciso considerar que os recursos para a área de transportes nunca foram vultosos, especialmente nas chamadas décadas perdidas, de 80 e 90. O resultado é que não temos rodovias, nem ferrovias, nem hidrovias, nem portos.
O Fome Zero, portanto, vai ter de se adaptar a essa deficiência nacional. Se fôssemos implantar o programa no estado de São Paulo, não haveria problema. As autoridades paulistas construíram e seguem construindo as rodovias necessárias, e a movimentação de cargas se faz com facilidade.
Outros estados, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná, também desenvolveram importantes redes de estradas, inclusive vicinais não pavimentadas. Na Amazônia, no Nordeste e no Centro-Oeste o panorama é mais precário.
O programa vai desnudar esta fraqueza do país e conseguirá, talvez, que os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), imposto criado em 2001, que se baseia nos derivados de petróleo, sejam destinados, em grande parte, a investimentos na infra-estrutura de transportes. A arrecadação, este ano, pode chegar a R$ 10 bilhões, mas a aplicação de 75% em rodovias e outros modais de transportes foi vetada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu último dia de governo.
FRANCIS BOGOSSIAN é presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro.