A caixa-preta acabou

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Jornal do BrasilQuarta-feira, 6 de outubro de 2004 – A1106/10/2004

A caixa-preta acabou

Francis Bogossian
engenheiro

É incontestável que o Brasil vem, há anos, atravessando uma grave crise nos setores de habitação e saneamento. As favelas continuam se expandindo, assim como valas negras e poluição de rios, lagoas e praias. O presidente Lula tem consciência disso. Estes dois setores são uma preocupação do presidente desde o seu primeiro discurso, mas ele ainda não conseguiu os resultados positivos que pretende.

Criou o Ministério das Cidades e sancionou a Lei.10.931 com regras mais transparentes para estimular o investimento no setor imobiliário. A nova legislação vai, com certeza, beneficiar a classe média, que há 20 anos não tem financiamento imobiliário, mas não atenderá as populações de baixa renda e muito menos o saneamento básico, que continuarão sem receber investimentos. Os recursos do FGTS-Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, que deveriam ser para este fim, não estão atendendo seus objetivos desde a extinção do BNH-Banco Nacional de Habitação, em 1986, e a transferência dos recursos para gestão da Caixa Econômica Federal. 

Crises sempre geram soluções. Isto aconteceu no Brasil com o sistema financeiro. A quebra de grandes bancos como Econômico, Bamerindus e Nacional e, depois, a crise cambial, em 1999, provocaram uma completa transformação no sistema que hoje é radicalmente diferente do que era há 20 anos. De caixa-preta, para o investidor nos anos 80, o sistema bancário ficou transparente, com todas as informações disponíveis para o mercado. As instituições são constantemente auditadas, tanto pelo Banco Central, CVM-Comissão de Valores Mobiliários, quanto por auditorias externas e agências de rating. 

A crise na habitação e no saneamento precisa servir para proporcionar melhor aplicação dos recursos existentes, que não são poucos. Segundo release divulgado pela Caixa, o FGTS teve, durante o ano de 2003, uma arrecadação líquida de R$ 4,6 bilhões – valor 64,8% superior ao do ano de 2002. Mas qual é o patrimônio total do FGTS? Quais são seus ganhos e perdas? Depois do Ministério das Cidades e da Lei 10.931, o presidente Lula deveria unificar as contribuições dos trabalhadores e das empresas (FGTS, PIS, Pasep, FAT), concentrando em uma única instituição a ser criada, especialmente, para investir estes recursos na área de Saneamento, Habitação e Qualificação Profissional. 

A criação do BHS-Banco da Habitação e Saneamento, reunindo todos estes fundos, obedecendo a transparência exigida aos outros fundos de investimento e com uma administração profissional será, certamente, capaz de conseguir, mesmo investindo em Saneamento e Habitação para população de baixa renda, um ganho para o trabalhador, superior ao atual rendimento do FGTS (3% ao ano + TR) e ainda estará solucionando dois grandes problemas para o país. 

O BHS teria que prestar contas, como qualquer instituição financeira, e passar pelas mesmas auditorias a que são submetidos os bancos brasileiros. Com regras claras, abertura das contas, avaliação dos administradores e da carteira de empréstimos. O que não é mais possível, em um país carente de recursos como o Brasil, é que continuemos a deixar escorrer pelos dedos um volume de dinheiro que nem ao menos sabemos quanto é. Os recursos do FGTS não estão no balanço da Caixa, nem estão entre os fundos administrados pela Administradora de Recursos da Caixa. Simplesmente não aparecem. O balanço do FGTS é publicado no Diário Oficial da União, mas isto não é estar acessível ao trabalhador. Empregados – os verdadeiros donos do dinheiro – e empregadores deveriam ter acesso aos números e conhecer as políticas que são adotadas.

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